Alda Carvalho, Carlos Pereira dos Santos
Raras vezes ouvimos tanto a palavra «exponencial» como nestes estranhos tempos em que vivemos. Mesmo antes, o termo «crescimento exponencial» era usado (e é usado) pelas pessoas para referir um crescimento galopante, ou seja, um crescimento explosivo. Mais de que algo com um significado matemático, trata-se de jargão popular para um tipo de crescimento incrivelmente grande.
Infelizmente, nos dias correntes, a necessidade de compreender matematicamente o que está em causa junta-se a esta simples ideia de crescimento grande. É preciso compreender a dimensão precisa desse crescimento. É imperativo quantificar. Pretende este texto, a partir de exemplos clássicos e sugestivos, fazer isso mesmo: transmitir uma ideia mais matemática para o que está em causa no crescimento exponencial.
Talvez o exemplo mais surpreendente seja o das dobragens de uma folha de papel, que parte de uma pergunta simples:
«Quantas vezes temos de dobrar uma folha de papel para chegar à Lua?»
Imagine o leitor que a espessura da folha é um décimo de milímetro. Ao dobrar uma vez, obtém‑se uma espessura de dois décimos de milímetro. Ao dobrar novamente, fica-se com uma espessura de quatro décimos de milímetro. E assim sucessivamente.
Em geral, tem-se o seguinte:
0 dobragens: 0,1 mm = 0,0001
1 dobragem: 2 x 0,1 mm = 0,0002 m
2 dobragens: 2 x 2 x 0,1 mm = 0,0004 m
(…)
n dobragens: 2 x … x 2 x 2 x 0,1 mm (n factores 2)
Cada dobragem está associada a uma multiplicação por 2. Repare-se que a palavra «dobrar» tanto é usada para uma simples dobragem de papel (fazer uma «dobra») como para duplicar (fazer o «dobro»). Na realidade, as coisas estão relacionadas.
Sendo assim, 4 dobragens resultariam no cálculo 2 x 2 x 2 x 2 x 0,0001 m. Cada dobra, cada multiplicação por 2. Repare-se que se estivermos a falar de 15 dobras, há 15 factores de 2 envolvidos. A escrita corrida não é prática… Felizmente, os matemáticos usam uma forma mais simples para escrever a mesma coisa:
2¹⁵ × 0,0001 m.
O objecto 2¹⁵ chama-se «potência». Nesta potência, 2 é a «base» e 15 é o «expoente». É daqui que vem o nome «exponencial»; trata-se de um fenómeno relacionado com multiplicações sucessivas.
Sai fora do âmbito de um texto deste género explicar o cálculo preciso que deve ser feito para determinar o número de dobras necessárias para obter uma espessura suficiente para chegar à Lua. No entanto, frisemos que a distância da Terra à Lua é cerca de 384 402 km, ou seja, 384 402 000 m, e usemos uma simples folha de Excel.
Bastam 42 dobragens! Este facto é verdadeiramente surpreendente e ilustra o poder do crescimento exponencial. Se a nossa filha Raquel fosse capaz de repetir a dobragem 42 vezes, obteria uma altura suficiente para chegar à Lua. É claro que, a partir de certa altura, o bocado de papel seria tão pequeno e espesso que ela não teria força para dobrar mais (pode experimentar ou, melhor, pedir aos seus filhos para o fazerem). O leitor engenhoso pode questionar o seguinte: «Se não tenho força para o fazer, que tal colocar papéis uns em cima de outros: primeiro 1, depois 2, depois 4, etc.?». Nesse caso, o problema não será de força, mas sim de escassez: duvidamos que o leitor consiga arranjar uma quantidade de papel no planeta Terra para fazer tal experiência científica!
Estamos agora em condições de fazer a «pergunta filosófica» mais importante relativa a este assunto. Qual é a causa última para este tipo de crescimento galopante?
A melhor forma de responder (e razão para gostarmos deste exemplo em particular) reside num pensamento simples. Suponhamos que, ao fim de 42 dobragens, atingimos a Lua à justa (no caso da vida real, até a ultrapassamos). Nessa hipótese, qual é a espessura após 41 dobragens (a dobragem imediatamente anterior)? A resposta é simples, é uma espessura correspondente a metade do caminho. Depois, com a quadragésima segunda dobragem, surge o «duplicar» e completa-se a segunda metade do caminho. Este pensamento explica a natureza absolutamente galopante do fenómeno: na quadragésima segunda dobragem faz-se um trabalho igual ao de todas as outras dobragens juntas. Ou seja, cada passo, faz o mesmo que todos os anteriores. Essa é a verdadeira natureza do fenómeno.
Nós desenhámos um sistema Terra-Lua à escala, assumindo que se começa a dobrar o papel no centro da Terra (por um qualquer ser estranho que aguente a temperatura). Devido a tudo estar à escala, a Lua é apenas um pontinho na imagem. O leitor pode reparar que as primeiras dezenas de dobragens ainda se passam dentro da Terra. Mas, quando se sai, tudo é rápido. Chegar ao Sol também seria rápido. Sair do sistema solar também seria.
Outra forma de falar da exponencial consiste em usar o 10 como base, ou seja, as multiplicações serem segundo um factor de 10 em vez de um factor de 2. Esta abordagem tem a vantagem de ligar muito bem com o sistema de numeração decimal. Por exemplo, 10 x 10 = 100, 10 x 10 x 10 = 1000 e aí por diante. Há uns tempos, esteve uma exposição em Portugal chamada «Potências de dez». A ideia da exposição consistia em levar as pessoas a fazer viagens de escala. Imagine o leitor que está num piquenique deitado na relva. Suponhamos que um drone de tecnologia incrivelmente avançada se afasta de si. O efeito pode ser visto na imagem seguinte (por uma questão de economia de espaço, tirámos a foto relativa a 10 m):
A próxima imagem ilustra o que aconteceria se o drone levasse a sua viagem até aos limites (uma grande viagem!):
Desde a palma da sua mão até estar a observar a Via Láctea ao longe bastaram 21 multiplicações por um factor de 10 (não se esqueça que multiplicar por 10 corresponde a um deslocamento da vírgula ou a um acréscimo de um zero). Na realidade, todo o universo conhecido cabe em menos de umas poucas dezenas de multiplicações por 10.
Se o leitor, em vez de aumentar, quiser experimentar reduzir, pode visitar este site. Nestes tempos pandémicos, os autores da plataforma oferecem acesso grátis com os seguintes dados para o login: Username: covid19; Password: edumedia.
Uma boa experimentação em forma de história infantil aparece sob a forma de uma lenda. Certa vez, um sultão pediu a invenção de um jogo para que se pudesse distrair. O resultado desse pedido veio do sábio Sissa, que trouxe ao sultão o bem conhecido jogo do xadrez. Como se sabe, o xadrez é um fantástico jogo, coisa que foi compreendida pelo sultão. Tão entusiasmado com o jogo, o sultão ofereceu ao sábio a escolha da sua recompensa. Foi nesse momento que a sabedoria do sábio se revelou em todo o seu esplendor, respondendo-lhe: «Os teus servos que coloquem um grão de trigo na primeira casa, dois na segunda casa, quatro na terceira, dobrando sempre a quantidade até à sexagésima quarta casa.». O sultão achou a recompensa quase insultuosa para tão fantástico jogo. Mas, quando os matemáticos do reino fizeram os cálculos, ficou a saber que eram necessários 18 446 744 073 709 551 615 grãos de trigo para recompensar Sissa. Com o nível de produção de trigo da época, seriam precisos 61 000 anos para obter tal quantidade de trigo! Em relação à imagem seguinte, é melhor não continuar o preenchimento.
Uma actividade interessante para levar a cabo com crianças, após contar-lhes a lenda de Sissa, consiste em fornecer um tabuleiro pequeno (4x4, por exemplo) e pedir-lhes para realizar o preenchimento. Um tabuleiro pequeno já é suficiente para lançar o caos e para as fazer desesperar com um crescimento tão acentuado.
Para finalizar este texto, passemos para coisas mais sérias. Imagine que uma pessoa está infectada com um vírus de fácil propagação. Suponhamos que essa pessoa contagia 4 pessoas. Depois, suponhamos que cada uma das 4 pessoas infectadas contagia mais 4 pessoas. E assim sucessivamente.
Uma vez que há uma multiplicação sucessiva por 4, a propagação assume contornos de crescimento exponencial. À luz de tudo o que foi dito anteriormente, há potencial para, em pouco tempo, toda a população terrestre ser atingida.
Felizmente, a natureza exponencial do crescimento não é o único factor envolvido numa pandemia. Há outro factor bastante importante que é o seguinte: o ser humano é um ser inteligente e tem consciência do poder do crescimento exponencial. Macacos, elefantes ou outras espécies de animais poderiam ser facilmente dizimados se vivessem num ambiente completamente globalizado como é o do ser humano (felizmente para eles, é possível que habitats na China não tenham contacto com habitats na América do Sul). Nós vivemos num mundo globalizado para o bem e para o mal. A forma de evitar o «para o mal» é usar a inteligência que outros animais não têm. Podemos mudar de hábitos, evitar contactos desnecessários e usar a suprema prova de inteligência que consiste em saber esperar. Dessa forma, evitamos, na medida do possível, sobrecargas nos hospitais e ganhamos tempo para, também usando a inteligência, procurar curas e vacinas. Com optimismo e confiança nas nossas capacidades, isto é o que se faz um pouco por todo o mundo. Esta crise será mais uma entre muitas outras enormes crises históricas que foram ultrapassadas.
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