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Foto do escritormarcoshelena

O que fazer quando estamos trancados em casa há mais de duas semanas e já não sabemos para onde nos virar?! Tenho uma sugestão em que talvez ainda não tivessem pensado: aprender grego antigo! Parece uma loucura? Conversa de professor de latim meio entusiasta, meio maluco? Nada disso. Até porque tenho a certeza de que vão achar uma ótima ideia, depois de lerem este post.


Há muitas razões para estudar grego antigo e todas elas são válidas e boas. Há quem queira ler os textos fundadores da cultura ocidental no original: a Ilíada e a Odisseia de Homero, o Rei Édipo de Sófocles ou os Discursos de Demóstenes. Há também quem se tenha apaixonado pela civilização grega e deseje compreender as inscrições da Acrópole em Atenas ou dos vasos de cerâmica espalhados pelas ilhas gregas. Há ainda quem pretenda estudar o Novo Testamento na língua em que foi escrito. Há simplesmente quem adore línguas e veja no grego antigo um idioma com uma história milenar e uma beleza perene. Ora bem, todas estas razões são mais do que suficientes para uma pessoa se aventurar no estudo do grego antigo e, certamente, não ficará desiludida. Mas, sobretudo neste período de confinamento domiciliário generalizado, há talvez uma razão que nos toca mais profundamente o coração, porque nos responde a uma pergunta que certamente nos temos colocado durante estes últimos tempos: onde está a nossa liberdade se não podemos passear descontraidamente na rua, se não podemos visitar quem amamos, se nem sequer podemos ir à missa?


O grego antigo dá-nos uma resposta convincente a esta interrogação. Se olharmos para a história da Grécia, vemos que este país, que é atualmente um dos estados-membros da União Europeia e que ainda há pouco tempo sofreu uma terrível crise económica, só se tornou uma nação a partir de 1821! Leram bem: 1821. Só há 200 anos é que a Grécia é um país unificado e independente. Até lá, os gregos viveram separados em cidades-estado e, muitas vezes, estiveram sob domínio estrangeiro. Mas, embora ameaçados pelo Império Persa, engolidos pelo Império de Alexandre Magno, dominados pelo Império Romano, submergidos pelo Império Bizantino ou esmagados pelo Império Otomano, os gregos nunca perderam o sentido mais puro da liberdade. Uma liberdade que não se prende com as circunstâncias históricas, mas que brota naturalmente da genialidade do seu espírito. Claro está, esta característica da alma grega encontrou a sua manifestação mais evidente na língua grega, que é um espelho vivo e dinâmico de pura liberdade.


Assim, aventurarmo-nos nos mistérios desta língua, falada ininterruptamente há pelo menos 3 500 anos e escrita com o mesmo alfabeto há mais de 2 500 anos, é entrarmos num caminho apaixonante que nos mostrará as capacidades da mente grega e, por extensão, da mente humana: um pensamento ágil e flexível, uma expressão harmoniosa e profunda, uma beleza simples e eterna.


Mas não será totalmente despropositado descermos deste Olimpo encantado e vermos concretamente como a língua grega é extremamente útil em todas as áreas do saber, a começar pela matemática e as ciências. Porque, se é certo que se pode saber muito bem grego sem sequer suspeitar que, segundo o teorema de Pitágoras, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos, os helenistas sabem ao menos o que se esconde por trás desses palavrões: hypo é "em baixo" e têinó é "estender", ao passo que kata é "para baixo" e hiênai é "colocar". Assim, a "hipotenusa" é o lado que se estende em baixo e os catetos são os lados colocados para baixo. Um pouco estranho, hein? Contudo, se virem o desenho mais abaixo, vão perceber tudo muito bem, porque o ponto de referência para estas designações é sempre o ângulo reto (em grego "ângulo" diz-se gónia, palavra aparentada com "joelho").




Para os mais corajosos, deixo aqui o enunciado deste teorema, tal como aparece nos Elementos (I, 43) de Euclides. (Procurem na internet a explicação que Euclides deu para provar o teorema de Pitágoras. Também podem tentar chegar lá sozinhos para impressionarem os vossos professores de matemática!)


Ἐν τοῖς ὀρθογωνίοις τριγώνοις τὸ ἀπὸ τῆς τὴν ὀρθὴν γωνίαν ὑποτεινούσης (aqui está a nossa hipotenusa!!!) πλευρᾶς τετράγωνον ἴσον ἐστὶ τοῖς ἀπὸ τῶν τὴν ὀρθὴν γωνίαν περιεχουσῶν (e aqui estão os catetos, mas chamam-se "periecos" de peri = "à volta" e

echó = "ter", portanto "os que envolvem" o ângulo reto) πλευρῶν τετραγώνοις.


Antes de abandonarmos a matemática, e já que andamos à volta de triângulos, os triângulos isósceles também já não têm segredos para nós: afinal, skêlôs significa "perna" e isôs quer dizer "igual". (Outro desafio matemático: os triângulos isósceles podem ser retângulos? Vá lá, deixem os vossos professores de matemática orgulhosos!)


Os biólogos também beneficiam com o grego. Agradeçam ao senhor Lineu que, apesar de ser sueco, sabia bem grego! De repente, compreendemos que o "rinoceronte" tem mesmo um corno (kêras) no nariz (rhin-), algo que aliás o animal sempre possuiu, com ou sem grego. O grego passou igualmente pela geologia. Não é muito mais fácil decorarmos o que é um "piroclasto", se soubermos que pyr é fogo e klaó é quebrar (assim, "piroclasto" é etimologicamente um "estilhaço do fogo") . O mesmo elemento pyr também se encontra em "pirotecnia" e "antipirético" (porquê?).


A física e a química não fogem à regra. Por exemplo, a "termodinâmica" revela todos os seus segredos, quando sabemos que, em grego, thêrmôs é "calor" e dynamis é "força". Sem grandes cálculos, os doentes reumáticos (rhêuma = "fluxo de água") também sabem, por experiência própria, que não podem ser muito dinâmicos nas termas, porque ainda se arriscam a redescobrir a lei de Arquimedes às suas expensas. A única diferença é que, em vez de exclamarem héuréka e ganharem um lugar de destaque nos manuais de história da ciência, são expulsos das instalações antes que digam "ups"!


E então se passarmos para o campo da medicina, graças ao grego, quase podemos diagnosticar todas as doenças e até passar receitas, porque nos tornamos uns especialistas acabados. Certamente, depois de ter aprendido algumas palavras gregas, ninguém vai ficar aflito se o médico de família lhe disser que sofre de "cefaleias", porque saberá que não tem mais do que uma simples dor de cabeça (em grego kêphalé significa "cabeça"). E o que dizer das famosas consultas de "otorrinolaringologia"? Já vimos mais acima que rhin- é "nariz". Basta agora saber que ótôs é "ouvido" e larynks é "garganta" para não desmaiarmos de pânico antes de entrarmos no consultório com receio de termos uma doença incurável!


Podia multiplicar os exemplos, mas penso que o que escrevi é suficiente para aguçar o interesse até da pessoa mais difícil de convencer. Por isso, se queres aprender grego, continua a seguir as publicações da "Caixa de Pandora" no nosso blog! No próximo sábado, haverá uma nova aula de grego antigo, muito divertida e interessante para todas as idades e todos os gostos. Divulga junto dos teus colegas, amigos e familiares. Porque, lembra-te bem disto, saber grego é ser Mais São Tomás, apesar de eu não estar certo de que o próprio São Tomás soubesse lá muito bem grego...

Maria Pacheco de Amorim


Nick Cave catalogue is certainly no stranger to deep issues. Lately, more than ever, detaching the graveness of his work from his personal life feels like misinterpreting. In 2015, Cave’s teen son, Arthur, died as he fell from a cliff. One year after the accident, Skeleton Tree was released. Yet in that record his loss was merely the icing on the already serious cake. Ghosteen is the first album entirely written and recorded since this tragedy.


Ghosteen is a double album. In the first part we find Cave wrapped in all the questions raised with this death, having a hard time accepting the son’s passing and even denying it. The second disk features a more serene Cave, one that has come to terms with the lifetime consequences of the tragedy (or at least has the tools to).


“Spinning Song”, the opener, is a perfect sample of the album. Sonically, the track is intense, almost mesmerizing. From the beginning, we follow Elvis’ and Priscilla’s story. “But the feather spun upward, upward and upward / Spinning all the weathervanes / and you’re sitting at the kitchen table, listening to the radio”, he sings. This death will live on for this father and he is about to immortalize it with the album. Around the three-minute mark, it unfolds into a more spacious picture and, just like in the second part of Ghosteen, the singer hopefully sings “Peace will come for us” and “Time will come for us”. Similarly, in the last track “Hollywood”, Cave repeats “I’m just waiting now for my time to come, for peace to come”.


However, it wasn’t always like that. In “Waiting For You”, an intricate piano ballad, the artist bitterly moans “Sleep now, take as long as you need, ‘cause I’m just waiting for you”. The chorus of the song smothers our hearts with just three repeated words, due to the gorgeous, suspended melody. It ends in a perfect cadence, which basically means it should give us the sense of ending, of harmonic and melodic closure. Yet, in this particular song, it doesn’t feel like solid ground at all. Even though it ends in the tonic, we feel restless and uncomfortable. Throughout the album, Cave drops lines we’ve for sure already heard, such as “My baby’s coming now, on the next train”, in “Bright Horses, or “I love my baby and my baby loves me”, in the Eastern-influenced “Leviathan”. It is the delivery and the instrumental that make lines like these work. Sung with no expression it would sound really corny, even though we know what they’re referring to in this case. But Cave sings with grieve in his broken voice. On top of that, the instrumental is so haunting that suddenly those lines become somber. In fact, at least half of the lyrics’ meaning in Ghosteen lies in these two aspects.


The formula of the compositions on this record is basically creating a beautiful, paradisiac landscape and then undermine it with dissonant instruments and electronic disruption, being the paralyzing “Sun Forest” its pinnacle. This may be suggestive of the before it and Arthur’s death itself, some out of tune sounds that appeared to disturb this family’s stability. However, this can also be an addition to Cave’s aim to find peace, something else is saying with it. To find this balance, he must learn how to deal with these dissonances and incorporate them in that desired peaceful place. With the instrumental, Cave is saying that the right way to overcome this tragedy is to face their pains, and don’t avoid them or deny the son’s departure. He only puts it into words later in the album though.



In the first track of the second part of the album, the title track, Cave sings “He has gone to the moon in a boat” and “There’s nothing wrong with loving things that cannot even stand”. One track forward and the phrase “I am here and you are where you are” is repeated multiple times in his “Fireflies” monologue, contrasting with the words “I am beside you” heard in both “Galleon Ship” and “Ghosteen Speaks”, in the first part.


At the end of the album, Nick Cave sings in his falsetto “It’s a long way to find peace of mind” and it couldn’t be more representative of the complex journey we followed on Ghosteen.


Pedro Picoito frequenta o 12º Ano e escreve sobre música no website Magazine.HD. Podes consultar aqui os seus artigos.

Maria Pacheco de Amorim

Estamos de quarentena. Estamos na Quaresma. Ver um filme não pode ser uma frivolidade. E, no entanto, muitos dos filmes que integram aquele período da história do cinema a que damos o nome de cinema clássico americano, como On the Waterfront, poderiam ser acusados de superficiais, indignos de serem vistos em tempos como este. Essa acusação seria, contudo, uma superficialidade, antes de mais porque ignora o peso moral da sofisticação humana que o discreto mas virtuoso trabalho de câmara, a rapidez e espirituosidade dos diálogos, a economia narrativa e o espectro emotivo do cinema clássico revelam. Depois, porque reduziria ao mesmo o que não é de todo igual.


A década de 1950 assistiu a uma lenta mutação do cinema clássico de Hollywood, com os seus mais antigos realizadores a evocar à superfície o que se escondia na profundidade do homem e daqueles tempos do pós-guerra. Pense-se na obra-prima de John Ford, The Searchers (1956). Assistiu também ao surgimento de uma nova geração de cineastas, que viriam a influenciar indelevelmente tanto o cinema europeu da Nova Vaga como o próprio cinema americano do futuro, a New Hollywood da década de 70. Realizadores como Elia Kazan, Nicholas Ray ou Sidney Lumet começaram as suas carreiras num ecléctico circuito artístico, movendo-se entre o teatro e o cinema, durante a Grande Depressão. Esta formação decorrida no meio teatral e em tempos economicamente conturbados, marcados pelo recrudescer da consciência política e social, influenciou o estilo e a temática desta geração que criou as suas obras mais relevantes nos anos 50. De Elia Kazan vieram A Streetcar Named Desire em 1951, On the Waterfront em 1954 e East of Eden em 1955, Nicholas Ray ofereceu-nos In a Lonely Place em 1950 e Rebel Without a Cause em 1955 e Sidney Lumet estreou-se com a sua obra-prima 12 Angry Men em 1957.



Em On the Waterfront de Elia Kazan encontramos muito do que caracterizou os filmes desta geração, aspectos técnicos que contribuíram tanto para o cinema subsequente como para o sentido último da obra. A experiência teatral de Kazan, a sua criação do Actors Studio, responsável pela introdução do famoso Method Acting, e a sua preferência por actores desconhecidos – pelo menos até trabalharem com ele –, mais maleáveis ao seu ensino, tornou-o um realizador forte, acima de tudo, no que se chama a direcção de actores. Kazan apostou tudo na comunicação sincera e autêntica do drama interior, levando actores como Marlon Brando, James Dean, Eve Marie Saint, Warren Beatty ou Karl Malden, cujas carreiras lançou, a deveras sentirem a dor que fingiam ter. Este drama esteve sempre associado a preocupações de carácter moral e social que Elia Kazan, um turco de origem ortodoxa que veio para os Estados Unidos aos quatro anos, herdou tanto da sua história familiar de emigração como dos tempos de regressão económica em que cresceu.


Como não podia deixar de ser, a insistência sobre a interioridade humana e a dramaticidade das relações de que os actores são o veículo obrigava ao uso de planos de câmara mais próximos, capazes de mostrar os rostos onde se espelham os conflitos da alma. Uma das grandes novidades trazidas ao cinema por realizadores como Kazan ou Lumet foi precisamente esta substituição da predominância dos planos de conjunto, normalmente usados para captar a acção (plano geral, plano americano), pelos planos de peito ou grande plano que mostram os mil e um pequenos movimentos da cara onde se reflectem o pensar e sentir dos homens. Embora o recurso abundante a planos mais aproximados não fosse inédito - basta lembrar a Paixão de Joana d'Arc (1928), de Carl T. Dreyer - nunca foi prática comum durante a primeira metade do século XX. Esta é uma mudança introduzida pelos cineastas das décadas de 50 e 60, muito associada tanto à necessidade de tornar visível o tipo de acção e conflito próprios do teatro (vários destes filmes resultaram da adaptação de peças) quanto ao desejo de usar o cinema para falar daquele tipo de questões que sempre estiveram no centro da arte, desde a tragédia grega. De usar o cinema para narrar a história da consciência humana.



Isto traz-nos ao cerne de On the Waterfront, filme que, juntamente com East of Eden, coloca em palco o problema do mal e o drama da conversão. Sabemos que o mal não está nas coisas mas esconde-se no coração, que o rosto de Marlon Brando revela e a câmara de Kazan perscruta. Sabemos que a conversão, vivida primeiro no interior de Terry Malloy e depois na comunidade de estivadores que com ele trabalham no cais, é a única história que interessa contar. Sabemos por isso que não há, para o tempo de Quaresma passado em isolamento social, cinema mais apropriado do que o de Elia Kazan.


Terry Malloy habitava este mundo como um animal na caverna, levado como todos pelo “love of a lousy buck”, preso na nostalgia do “somebody” que poderia ter sido. Mas a vida compadeceu-se desta pobre besta e as circunstâncias assumiram uma face impossível de destituir. Malloy descobre que fora inconscientemente cúmplice da morte de um rapaz inocente, no mesmo instante em que encontra a bondade encarnada na pessoa da sua irmã (Eve Marie Saint), cujo esplendor iluminava até ao limite da dor o mal que ele era e fizera. É o vislumbre de uma outra vida que lampeja e acorda nele uma voz que o inquieta, arrancando-o da medida mesquinha com que se contentara e em que se deixara adormecer. Só agora há uma voz a que a voz do Pe. Barry (Karl Malden) pode dar voz:


- I’m not asking you to do anything. It’s your own conscience that has to do the asking.

- Conscience? That stuff is gonna drive me nuts.



No final, sob o olhar do Pe. Barry e de Edie, a porta fecha-se atrás de um Terry Malloy livre, capaz de libertar a comunidade de estivadores que o segue na retaguarda. Fica a percepção de um eu que nasceu, fruto de uma certa resposta à provocação da dura realidade que enfrentou, suscitada e sustentada pelos outros eus que o amaram a ele e à verdade. Um eu que atravessou as circunstâncias aceitando o desafio de perder a vida ("If I spill, my life ain't worth a nickel") para ganhar a vida ("And how much is your soul worth if you don't?"). Para um eu assim não há cavernas. Vive bem atrás de quaisquer portas, no interior de qualquer lugar.

Mais São Tomás
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