Bem vês que, nas torrentes invernais, quando as árvores cedem, os ramos se salvam: quem oferece resistência, perde-se com as próprias raízes. Do mesmo modo, quem distender com força a cordagem da nau e não ceder em nada, há-de ficar voltado para baixo, e navegar para sempre com os bancos dos remadores virados ao contrário.
Sófocles, Antígona
Ninguém quer ver as suas raízes arrancadas da Terra. Ninguém quer ver o seu barco, em pleno mar, virado ao contrário. No entanto, mostramo-nos demasiadas vezes renitentes em ceder. É verdade, ceder pode ser sinal de fraqueza, mas não esqueçamos que é também muitas vezes vital.
Hémon, noivo de Antígona, refere dois casos nos quais ceder é essencial para assegurar a continuidade de uma certa atividade: as árvores que, para salvar os ramos, naturalmente cedem ao vento e aqueles que, para bem da nau, escolhem ceder ao vento. No segundo caso fica claro que a cedência se segue a um momento de deliberação, que é uma decisão e que não acontece por falta de força daquele que cede. Creonte, pai de Hémon, é um homem de força, de convicções fortes, que acha que “ceder é terrível”. É a ele que o conselho de Hémon é dirigido.
Definamos então dois sentidos de cedência: ceder, no bom sentido, é quando abandonamos as nossas convicções fortes erradas; no mau sentido, ceder é quando abandonamos as nossas convicções fortes corretas. Assim, o bom ladrão cedeu para bem. Já se Santa Luzia tivesse cedido, teria cedido para mal.
Daqui se segue algo que já todos sabemos, que não devemos ceder por princípio, mas apenas quando é para bem. A dificuldade reside no facto de muitas vezes o que é para mal nos parecer ser para bem. Perceber que se está errado é mais difícil do que seria de esperar. Por um lado, ceder tem que ver com perceber que se está errado. Por outro lado, tem que ver com admitir a possibilidade de se estar errado. Se ceder no primeiro caso parece algo natural, no segundo nem tanto.
A confirmação de que estamos errados torna o processo de cedência mais fácil. Porém, a chegada desta confirmação levanta um problema temporal interessante: Creonte só se mostra disponível para ceder quando percebe que está errado. No entanto, se tivesse cedido com base na possibilidade de estar errado, teria de facto cedido, efetivamente, e não apenas quanto ao seu propósito, evitando assim uma tragédia.
Nicolau, tirano retratado num dos episódios da vida de Ginepro, é atormentado precisamente por uma questão de tempo. Abdica do seu poder, mas, segundo o próprio, tarde demais. O seu último ato de crueldade, julga ele, condená-lo-á:
«I truly believe that the end of my evil deeds and my life is approaching. For since I have treated this holy man so cruelly without his being guilty – although I did not know it – God will not tolerate me any longer and I will soon die a violent death.»
Ugolino di Monte Santa Maria, The Life of Brother Juniper
Tarde ou não – não sabemos – Nicolau acaba por ceder para bem. É aqui que reside a principal diferença entre Nicolau e Creonte. Creonte nunca chega a consumar a sua nova intenção – a completar o seu ato de cedência – porque, por uma questão de tempo, perde a oportunidade para tal. Ainda que, para um e para outro, a consequência mais característica pareça ser a mesma, o arrependimento, os atos de ambos influenciam de forma muito diferente aqueles que os rodeiam e, por isso, podemos afirmar que qualquer possibilidade de cedência implica necessariamente outros.
É também por esta razão que encontramos nos outros a chave para uma boa cedência. Olhemos com atenção para o pedido do Rei Salomão:
«Terás, pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal. De outro modo, quem seria capaz de julgar o teu povo, um povo tão importante?»
1Rs 3:7
Primeiro pede entendimento. Depois pede a capacidade para discernir entre o bem e o mal. Se entendermos os outros e formos capazes de discernir entre o bem e o mal, saberemos sempre quando ceder para bem. No entanto, importa não esquecer que se trata de um pedido a Deus, ou seja, do reconhecimento da incapacidade para fazer tais coisas sozinho. Tal como o Rei Salomão, também nós não somos capazes de o fazer sozinhos.
Na nossa vida somos chamados a ceder em várias situações, todas elas diferentes. Porém, parece-me que as podemos dividir em dois grupos: ceder no plano familiar e ceder no plano político. No plano familiar, independentemente da cedência ou falta dela, alguma unidade está assegurada. Na polis, por outro lado, para haver comunidade tem necessariamente de haver cedência. A cedência política é requerida a todos, afinal somos todos animais políticos.
São Paulo recomendou “que se façam preces, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade.” (1Tm 2:1). Façamos o pedido de Salomão, por nós e por todos aqueles que não o fazem.
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