Uma série da autoria do Prof. Giovanni Fighera
Este artigo foi originalmente publicado em simultâneo no quotidiano on-line La Nuova bussola quotidiana (https://www.lanuovabq.it/it/la-potenza-di-una-parola) e no blog do autor La ragione del cuore (https://www.giovannifighera.it/il-latino-serve-a-tutto-5-la-potenza-di-una-parola/), no dia 29 de abril de 2018. A tradução portuguesa é aqui publicada com a autorização das partes interessadas, a quem agradecemos a generosidade.
O poder das palavras
Non scholae, sed vitae discimus
Estudamos não para a escola, mas para a vida
Os romanos pensavam que o termo «nomen» [nome] derivava etimologicamente de «omen» [presságio], ou seja, que a palavra indicava em si o destino do objeto ou da pessoa, as suas características específicas. «Nomina sunt consequentia rerum» ou em português «os nomes são consequência da realidade das coisas». Por esta razão é fundamental compreender o étimo primeiro de um termo, se quisermos compreender-lhe o fim, o destino, a prospetiva de realização.
A palavra possui uma capacidade incrível de evocar imagens, factos, emoções. Basta lembrar que o termo «palavra» deriva de «parábola», que, por sua vez, provém de um verbo grego que significa «pôr em confronto, comparar». A parábola é, de facto, um género literário que consiste na narração de um facto ou de uma história para comunicar um conceito mais complexo. Portanto, a palavra já é em si e por si uma narração, uma história, a evocação de uma aventura, de uma vicissitude humana, que esconde em si a afirmação de um significado e de um sentido.
Os romanos pensavam que o termo «nomen» [nome] derivava etimologicamente de «omen» [presságio], ou seja, que a palavra indicava em si o destino do objeto ou da pessoa, as suas características específicas. «Nomina sunt consequentia rerum» ou em português «os nomes são consequência da realidade das coisas». Por esta razão é fundamental compreender o étimo primeiro de um termo, se quisermos compreender-lhe o fim, o destino, a prospetiva de realização.
Mas como podemos perceber o sentido de uma palavra, apropriarmo-nos do significado profundo de um termo ou até compreender que o verdadeiro sentido de uma expressão é radicalmente diferente daquele que até ao momento achávamos?
O conhecimento do Latim ilumina a linguagem e as palavras. A língua e a palavra contam a história de uma civilização, da evolução humana, da cultura de um povo.
Pensemos no vocábulo «cultura». O fascínio de uma palavra reside no facto de que ela conta uma parte da aventura humana. O verbo latino «colo», que está na base da palavra «cultura», salienta e descreve a passagem do homem da condição nómada à sedentária. O verbo significa «cultivar», «habitar», «venerar». Um povo que se torna sedentário aprendeu a cultivar a terra, habita-a e venera a divindade do lugar. No termo «cultura» reside este enraizamento nas próprias origens e na própria terra, sem o qual não se pode crescer. Deste enraizamento brota a possibilidade de haurir a linfa vital, de germinar, de crescer com viço e de dar bons frutos. Percebemos agora que a cultura não tem a ver com o conhecimento de muitos componentes da realidade, mas deriva de um passado (o terrenos em que crescemos, a tradição) e abre-se à reflexão sobre o presente e o futuro. A palavra «cultura» inclui não só a esfera da materialidade (o aspeto físico, concreto, pragmático do homem), mas também a componente religiosa, inclui a questão do homem e da sua relação com o destino ou, melhor, as grandes questões do homem.
Podemos também afirmar que o fenómeno cultural se traduz numa capacidade de ajuizar sobre o presente e sobre a realidade e desembarca numa esperança sobre o futuro radicada no presente. Uma incursão na cultura e na arte mundiais faz emergir imediatamente o seu caráter religioso e metafísico.
Sem o Latim é impossível chegar a compreender plenamente que uma cultura relativista não é, de verdade, cultura, porque lhe falta um enraizamento num terreno e, portanto, não permite que a planta cresça.
Darei outros exemplos que nos permitirão perceber de que forma o Latim ilumina a linguagem e, ao mesmo tempo, também ilumina a vida.
Fiquemos ainda no âmbito no estudo, da cultura e da escola. Num dos primeiros artigos desta série, refletíamos sobre o facto de que a palavra «estudo» (do termo latino «studium») remete para a paixão, o zelo, a aplicação, ao passo que o termo «interesse» (do verbo latino «intersum», ou seja, «estou no meio», «participo», que na forma impessoal interest significa «interessa») indica que a minha pessoa participa, se envolve com a atividade que está a realizar. O étimo da palavra «interesse» desfaz imediatamente um dos lugares comuns da escola e do estudo, que é o facto de que o interesse nasce antes do estudo (facto, por vezes, verdadeiro).
E agora vejamos dois termos como o inglês «vacations» [em português, «férias»] e o português «escola» que são desde sempre sentidos como dois opostos não só pelos jovens, mas também pelos adultos. «Vacations» deriva de um verbo latino (vaco) que significa «estou livre de uma coisa para me dedicar a outra». «Escola» deriva do latim «schola» que, por sua vez, deriva de um termo grego que na Antiguidade queria dizer «tempo livre» e que, mais tarde, serviu para indicar «o lugar onde se passava o tempo livre». Só mais tarde se tornou o lugar onde se debatiam questões filosóficas e culturais ou se liam textos. O tempo das vacations, das férias, é por excelência o momento em que o adulto e o jovem estão livres das ocupações do costume para se dedicarem a outra coisa, talvez àquelas paixões e àqueles interesses aos quais não se podem dedicar com muita atenção ao longo do ano. As vacations, as férias, são a ocasião para identificar e desenvolver o que de belo encontrámos ou vice-versa para sermos provocados pelo facto de que ainda não encontrámos ou reconhecemos nada de grande na vida – e então esta constatação pode tornar-se a provocação necessária para procurarmos algo que nos preencha. Na prática, a forma como utilizamos o nosso tempo livre indica-nos frequentemente aquilo que verdadeiramente nos interessa e nos preenche o coração. As vacations, as férias, implicam necessariamente uma escolha.
Também o verbo «ler» implica uma escolha. O verbo latino «legere» significa colher, escolher, eleger. O verbo tem em si o valor de selecionar, amar, usar algo como instrumento. A leitura inicia assim com escolha que aparece nas antologias de escola ou nas livrarias. Nem tudo o que lemos forma e educa, isto é nem todos os livros ajudam a crescer. Alguns romances ou ensaios podem, aliás, ser profundamente deseducativos…
Comments