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  • albertoarruda

Tectos e Telhados

É como se estivéssemos num inferno,

onde só podemos sonhar & impedidos

por um tecto de chegar ao céu.

Ludwig Wittgenstein, Cultura e Valor

Os telhados são a parte mais concisa de uma casa. Não foram feitos para pôr antenas, como as mesas para pôr copos, nem para ter chaminés, como as paredes para ter portas.

E apesar de tudo isto, foi precisamente em tectos e telhados que Wittgenstein pensou em 1937, quando num momento mais à Pascal do que este alguma vez seria capaz de admitir, comparou o seu inferno especulativo a viver sob um tecto. De facto, a imagem é surpreendentemente produtiva: Descartes no seu forno, Montaigne na sua torre, Freud no seu gabinete.


Tal como seria de esperar, o romance familiar de Wittgenstein acaba por emergir da sua prosa de maneira desconcertante. Este apercebeu-se de que muitas das vozes à sua volta não exaltavam uma certeza sem a qual já não se conseguia imaginar. Uma certeza que está longe do simples mérito próprio, talvez por ser recebida.


Certeza era então, no seu caso, e suspeito que no nosso também, algo longe de circunstâncias, – ou se preferirem, o contrário de contingências. Certeza é aquilo que vivemos em determinadas circunstâncias, mas sem ser abalada por determinadas contingências.


E agora, mais do que em muito muito tempo, a nossa certeza deve estar muito perto da nossa esperança. (Todos nos esquecemos de que a esperança é uma virtude – pensem nas dificuldades de São Paulo!) Ocasionalmente, todos nos esquecemos de que a nossa certeza será vivida, se não por nós, então pelos nossos; no futuro. E no futuro, sem ser por debaixo de tectos ou telhados, haverá um caminho que só poderemos percorrer juntos.

Aliás, esta dependência foi evidente para Courbet quando pintou o seu reencontro. À data, gozado por muitos por sobrepor aquilo que não passava de pathos seu a uma realidade que fantasiou, Courbet pintou a certeza do caminho que ainda tinha pela frente sem se esquecer dos seus amigos. E assim, para nossa surpresa, conseguiu algo muito mais difícil do que aquilo que pode parecer: pintar o seu reencontro com todos os seus amigos, tanto à partida, como à chegada.


Gustave Courbet, La rencontre, 1854


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